21/01/2011

Tragédia no Rio

Tragédia no Rio ilustra negligência criminosa das autoridades

As enchentes e deslizamentos de terra que deixaram mais de 700 mortos na região serrana do Rio são mais um exemplo da “negligência criminosa” das autoridades brasileiras, segundo afirma um artigo publicado  pelo diário francês Le Monde.

“A nova tragédia, como outras no passado, ilustra a negligência criminosa de algumas autoridades eleitas. Por demagogia ou interesses eleitorais, eles deixaram que o concreto tomasse os morros, ou mesmo encorajaram a especulação imobiliária”, afirma o artigo.

Para o jornal, “a fúria da natureza tropical” pode ter sido a responsável inicial pelo desastre, mas “os céus têm menos culpa que os homens”.

“Não há fim no inventário das muitas falhas que levaram à tragédia”, diz o artigo, citando falta de capacidade para previsões meteorológicas precisas, inexistência de sistemas de alerta e a ocupação irregular em áreas de risco. Tudo essa tragédia como também as anteriores poderiam ter sido evitadas se as autoridades governamentais investissem em pesquisas cientifíficas e equipamentos adequados para prevenir a população e comunicar com antecedências maus tempos e principalmente, evitar o desenvolvimento habitacional nas regiões onde possam ocorrer riscos de deslizamentos ou inudações, utilizando uma fiscalização mais eficiente  para evitar a ocupação dessas áreas por famílias e por empresas que se instalam naquela região para explorar o turismo com hoteis e pousadas.

Regra

Segundo pesquisas realizadas indicam que 5 milhões de brasileiros vivem em áreas de risco e que a própria presidente, Dilma Rousseff, admitiu que a situação é “mais a regra do que a exceção”.

Para o jornal, as responsabilidades pelo problema estão em todos os níveis do Estado. “A prevenção não faz parte dos discursos dos políticos, totalmente focados em ações imediatas, porque isso daria pouco retorno a eles nas eleições”, afirma.

O artigo observa ainda que o próprio governo brasileiro havia admitido, em novembro do ano passado, que não havia implementado nenhuma das medidas recomendadas para informar, educar e alertar comunidades sob risco. “Nem mesmo com a criação de um banco de dados ou um site na internet”.

O jornal cita ainda a consultora da ONU Debarati Guha-Sapir, do Centro de Pesquisas sobre a Epidemiologia de Desastres (Cred), de Bruxelas, na Bélgica, para quem é um absurdo que o Brasil, com “apenas um perigo natural para administrar”, não consiga fazê-lo.

“Este foi o 37º deslizamento de terra no Brasil em menos de dez anos”, observa. “Imagine se o país também enfrentasse terremotos, vulcões ou furacões. O Brasil não é Bangladesh, não tem desculpas”, afirma.

Solução exige uma década

Primeiro passo para evitar tragédias como a do Rio de Janeiro é retirar moradores de área de risco. O poder público, porém, não sabe nem o tamanho do problema

Depois de assistir à pior catástrofe natural já registrada no Brasil, na região serrana do Rio de Janeiro, em que morros foram abaixo e suspeita-se que mais de 1000 pessoas morreram–, já que o número tende a subir –, o país se pergunta: quantos mais morrerão até que seja feito algo? Para reverter o cenário de catástrofes naturais – como as que mataram 135 pessoas em Santa Catarina, em novembro de 2008; 120 no Rio, em abril de 2010; e 57 no Nordeste, em junho do ano passado– seriam necessários ao menos dez anos, advertem os especialistas. “É possível reverter essa situação em uma década de trabalho bem elaborado, com recursos bem aplicados e perseverança, com continuidade”, diz o engenheiro geotécnico e ex-presidente da Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Enge­­nharia Geotécnica (ABMS), Luiz Antoniutti Neto.

Uma década poderia até ser tempo suficiente para solucionar a falta de planejamento e acabar com ocupações irregulares em áreas de risco espalhadas em 95% do território nacional. Para que o Brasil chegue a esse resultado, porém, é preciso que a ocupação e a dinâmica das cidades sejam encaradas como prioridade em todas as esferas do poder público.

Estimativas do Conselho Re­­gional de Engenharia (Crea) apontam que pelo menos 9,5 milhões de pessoas moram em áreas de risco, próximas a rios, fundo de vales ou em grandes encostas. Esse número pode chegar a 40 milhões (cálculo da ONG Amigos da Terra), já que as estimativas sobre o assunto são escassas e desencontradas. Sobrevoando as áreas atingidas, na última semana, a presidente Dilma Rousseff reconheceu que “moradia de risco no Brasil é regra, não exceção”. Prometeu ajuda e admitiu que o problema é das três esferas de governo. O governo federal, entretanto, não tem sequer ideia do tamanho do problema a ser enfrentado. Nem Ministério da Integração Nacional, nem Defesa Civil Nacional têm estimativa do número de moradores em área de risco no país.

Ignora-se que a ocupação intensa e desordenada do solo em 43% dos municípios brasileiros foi uma das principais causas de inundações e alagamentos, segundo a Pesquisa Nacional de Sanea­mento Básico de 2008 do Instituto Bra­sileiro de Geografia e Esta­tística. Essas consequências tendem, ainda, a ser po­­tencia­lizadas caso as propostas de alterações do Código Florestal sejam aprovadas pelo Congresso Nacio­nal. Segundo a coordenadora do programa Rede das Água da Fundação SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro, quando foi criado, em 1965, o Código Florestal incluía a proteção de topos dos morros e beiras de rios para garantir a segurança do uso e ocupação do solo. As novas propostas, po­rém, devem flexibilizar essa proteção. “É uma incoerência querer modificar a legislação justamente quando a natureza está nos dando o troco pela falta de planejamento na ocupação”.

Como fazer

O primeiro passo para pôr um ponto final às tragédias a que o Brasil assistiu nessa semana é a realização de um mapeamento de todas as áreas críticas. A partir daí é necessário traçar um plano de ações, envolvendo evacuação de terrenos, recolocação de moradores ou pequenas intervenções para solução de problemas. Entre as medidas estão o replantio de florestas, a construção de parques ou piscinões para o escoamento da água da chuva e a desocupação de áreas vulneráveis.

Na prática, a perspectiva otimista esbarra na falta de planejamento de municípios, estados e governo federal. Engenheiros e urbanistas ressaltam que muito poderia ser evitado se as tecnologias existentes fossem aplicadas de maneira correta. “Nós acostumamos a acudir a população somente quando acontece o problema, sem medidas preventivas. Em qualquer região, seja ela qual for, é 20 vezes mais caro consertar a área depois de uma catástrofe do que investir em medidas preventivas”, afirma o presidente do Crea do Rio de Janeiro, Agostinho Guerreiro.

A ausência de políticas de habitação consolidadas é apontada como um fator decisivo para as ocupações irregulares e consequentes acidentes naturais. Malu lembra que depois das enchentes ocorridas em Parati e Niterói, em 2010, o governo estadual do Rio se comprometeu a apresentar um plano de desocupação das áreas de riscos. Isso nunca aconteceu.

“Já temos conhecimento técnicos e instrumentos como os Planos Diretor e de Prevenção de Risco, mas as ações não são estruturadas, efetivadas e nem recebem recursos”, concorda o diretor executivo da ONG Habitat para a Hu­­ma­­ni­­dade no Brasil, Demóstenes Mo­­rais. A isso, o presidente nacional da Associação Brasileira de En­­genheiros Civis, Ney Fernando Perracini de Azevedo, acrescenta a ausência de planos diretores mais rígidos e fiscalização. “Os planos diretores permitem construções em áreas impróprias. É um convite ao desastre”.


GLOSSÁRIO

Áreas de risco são regiões onde é recomendada a não construção de casas ou instalações, pois são muito expostas a desastres naturais, como desabamentos e inundações.

Onde ficam

As principais áreas de risco são aquelas sob encostas de morros inclinados ou à beira de rios. Essas regiões vêm crescendo constantemente nos últimos dez anos, principalmente devido à própria ação humana.

Controle

A principal instituição responsável pelo monitoramento das áreas de risco é a Defesa Civil. Todas as ocupações em áreas de risco deveriam ser consideradas irregulares, mas nem sempre é assim na prática. Nem toda ocupação irregular é área de risco e nem toda área de risco é de ocupação irregular.

Fator ambiental

Além da ocupação irregular, há fatores ambientais que aumentam o risco de desabamento:

Desmatamentos

Retirada e uso intensivo de materiais minerais

Mudanças de cursos d’água

Ocupação de várzeas e encostas

Queimadas

Produção e deposição inadequada de lixo

Poluição atmosférica

Aplicação de agrotóxicos

Explosão de artefatos nucleares

Prevenção - O que o poder público deveria fazer:

- Implementar um plano de planejamento urbano e habitacional, para ocupação estratégica das áreas.

- Efetivar o Plano de Previsão de Acidentes.

- Elaborar o levantamento e o mapeamento das áreas de riscos que contemplem a composição do solo, inclinação do terreno e possibilidade de alagamento.

- Promover um plano de desocupação dos locais vulneráveis já habitados.

- Promover a recuperação ambiental das áreas, evitando a reincidência na ocupação.

- Criar novas áreas de proteção ambiental, como parques.

- Monitorar as áreas de moradia de risco e reforçar a fiscalização de ocupação irregulares.

- Investir em tecnologia e potencializar a parceria entre especialistas e governos.


http://aleosp2008.files.wordpress.com/2011/01/get11.jpeg?w=619&h=464
http://aleosp2008.wordpress.com/2011/01/15/tragedia-no-rio-de-janeiro-mais-de-600-mortos-ate-150111-em-diluvio-historico/
http://www.youtube.com/watch?v=wH_7E_hBmIY&feature=fvwkrel
http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2011/01/110120_enchentes_rio_lemonde_rw.shtml

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